O Que a Crise Ambiental Ensina a Todos os Empresários
Sua empresa está 100% regularizada do ponto de vista ambiental? Você tem certeza absoluta?
Muitas vezes, a correria do dia a dia faz com que a gestão de licenças e resíduos pareça apenas “mais uma burocracia”. No entanto, a recente crise no aterro sanitário de Goiânia serve como um alerta máximo para o setor privado.
O que está acontecendo com a gestão pública — multas pesadas, paralisação de serviços e, o mais grave, o indiciamento criminal de gestores — é um exemplo perfeito do que pode acontecer com qualquer empresa que opera na irregularidade.
Vamos dissecar o caso e entender por que isso é um sinal vermelho para o seu negócio.
Seção 1: Anatomia de um Desastre Anunciado
O caso do aterro de Goiânia não é um acidente, mas o resultado de anos de negligência. Ele se tornou um exemplo perfeito dos riscos de não seguir as regras.
O Ponto Central: Operar Sem Licença
O problema estourou publicamente em outubro de 2025, quando a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) aplicou uma multa diária de R$ 5.000 à Prefeitura de Goiânia.
O motivo foi o mais grave possível: o município estava mantendo o aterro funcionando “sem qualquer autorização legal”.
Isso não foi uma surpresa. Em julho de 2025, uma multa anterior já havia sido aplicada por “lançamento de resíduos em desacordo com as normas ambientais”. O dominó legal, no entanto, começou a cair muito antes.
A licença ambiental corretiva, que permitia o funcionamento precário, foi suspensa pela Agência Municipal do Meio Ambiente (Amma) em dezembro de 2024. A partir daquele momento, qualquer lixo jogado ali era uma atividade clandestina perante a lei.
O mais chocante é que a Semad destacou que a prefeitura nem sequer fez um pedido formal para tentar regularizar a documentação.
O Laudo Técnico: As Provas do Risco Ambiental
As multas não foram só por falta de papel. Vistorias técnicas ao longo de 2025 pintaram um quadro de desastre iminente. As falhas encontradas não eram pequenas, mas estruturais e de alto impacto:
- Contaminação da Água e Solo: Foi encontrado chorume (o líquido tóxico do lixo) em áreas que já deveriam estar seladas. Pior: o chorume que passava por tratamento ainda estava com “alta carga poluente”, impróprio para ser descartado. Há fortes indícios de contaminação do Ribeirão Caveirinha.
- Falhas Estruturais: O laudo apontou “instabilidade de taludes” (as paredes de lixo), criando um risco real de desabamento, como o que já ocorreu em Padre Bernardo. A prefeitura não tinha estudos de estabilidade atualizados e os sistemas de drenagem da chuva estavam falhando — o que aumenta o peso, o chorume e o risco de colapso.
- Poluição e Riscos Sanitários: Foi confirmada a ausência de um sistema para captar e queimar o biogás (gás metano). Esse gás causa o efeito estufa e gera o forte odor sentido na região. A presença de urubus, moscas e poeira são sinais clássicos de má operação, especificamente a falha em cobrir o lixo diariamente.
Em setembro de 2025, os técnicos da Semad foram claros: existem “aspectos ocultos embaixo e por dentro do lixão para os quais o município… não tem respostas minimamente razoáveis”. Ou seja, o problema visível (cheiro, aves) é só a ponta do iceberg.
A Falha de Gestão: O Acordo Quebrado (TAC)
A situação não é nova. A Prefeitura de Goiânia havia firmado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público de Goiás (MP-GO) em 2020, renegociado em 2024.
Um TAC funciona como um acordo legal: o infrator reconhece o erro e se compromete formalmente a corrigir os problemas dentro de um prazo, evitando uma ação judicial.
No entanto, tanto a Semad quanto o MP-GO são claros: a Prefeitura descumpriu o TAC. Os investimentos prometidos para adequar o aterro “não foram feitos”. A suspensão da licença em dezembro de 2024 foi a consequência direta disso.
A administração municipal usou o TAC para ganhar tempo, mas falhou em agir. Ao quebrar o acordo, a Prefeitura perdeu sua credibilidade e reativou a ameaça de processos.
A defesa do atual prefeito, Sandro Mabel, de que há “perseguição” e que a solução (usar aterros privados) custaria R$ 10 milhões mensais que deveriam ir para saúde e educação, é juridicamente insustentável. O custo da adequação ambiental não é opcional, é uma obrigação legal. Ao assinar o TAC, a própria prefeitura reconheceu isso.
Seção 2: Do CNPJ para o CPF: Quando o Gestor é Indiciado
Este é o ponto mais alarmante e a lição mais dura para qualquer empresário. O problema deixou de ser apenas da “Prefeitura” (o CNPJ) e passou a ser dos gestores (o CPF).
O Estopim: Vazamento de Chorume na Internet
A investigação criminal não começou por causa da licença vencida. Ela foi aberta pela Delegacia Estadual de Repressão a Crimes Contra o MeEio Ambiente (Dema) em abril de 2024.
O gatilho? Um pedido do MP-GO, motivado por vídeos que circularam em redes sociais mostrando um claro “escoamento de chorume do aterro” direto para o Córrego Caveirinha no início de 2024.
A lição aqui é clara: a era em que a poluição ocorria “a portas fechadas” terminou. Hoje, qualquer cidadão com um smartphone é um potencial fiscal.
A Individualização: Por que Prefeitos Foram Indiciados
Em outubro de 2025, a Dema concluiu o inquérito e indiciou um grupo de gestores, incluindo o atual prefeito, Sandro Mabel, o ex-prefeito, Rogério Cruz, e os secretários de infraestrutura de ambas as gestões.
A base legal é simples:
- Funcionamento de atividade poluidora sem licença (Artigo 60 da Lei de Crimes Ambientais).
- Responsabilidade geral pelo dano ambiental (vazamento de chorume).
O “dominó” da responsabilidade pessoal funciona assim e serve de alerta para qualquer troca de diretoria em uma empresa:
- A licença foi suspensa em dezembro de 2024 (gestão de Rogério Cruz), como resultado de suas falhas e do descumprimento do TAC.
- Sandro Mabel assume em 1º de janeiro de 2025.
- A partir desta data, Mabel continua a operar o aterro, mesmo sabendo que a operação era ilegal.
No direito penal, “operar sem licença” é um crime continuado. O crime não aconteceu só no primeiro dia; ele se renova e é cometido novamente a cada dia que a operação ilegal se mantém.
A Dema e o MP-GO não estão punindo apenas quem criou o problema (gestão Cruz), mas também quem o perpetuou (gestão Mabel).
A implicação para o empresário é direta e assustadora: Ao assumir uma nova diretoria ou comprar uma empresa, o novo gestor herda as responsabilidades e passivos ambientais. Se a empresa opera de forma irregular, o novo gestor passa a cometer um crime ambiental a partir do primeiro dia, caso não tome medidas imediatas para regularizar ou paralisar a atividade ilegal.
Seção 3: A Lição Central: A Tríplice Responsabilidade Ambiental
O escândalo do aterro de Goiânia é a materialização perfeita da Tríplice Responsabilidade Ambiental. O poder público está sendo penalizado em três esferas legais ao mesmo tempo. O mesmo regime se aplica, com rigor igual ou superior, a qualquer empresa privada.
A prefeitura enfrenta multas (Administrativa), obrigação de reparar o dano (Civil) e o indiciamento dos gestores (Criminal). Essas são as exatas três esferas que ameaçam seu negócio.
1. Responsabilidade Administrativa (Multas e Embargo)
É a ação dos órgãos fiscalizadores (Semad, Ibama).
- No Caso de Goiânia: As multas diárias de R$ 5.000.
- Na Sua Empresa: É a sanção mais comum. Multas podem ser milionárias (como veremos na Seção 4). Pior que a multa é a interdição ou embargo. Uma licença suspensa pode significar a paralisação total da sua fábrica, zerando seu faturamento da noite para o dia.
2. Responsabilidade Civil (Reparação do Dano)
É a esfera do Ministério Público, focada em obrigar a reparar 100% do dano.
- No Caso de Goiânia: A Ação Civil Pública do MP-GO, que pede a “interdição progressiva” e o “descomissionamento” (desativação e recuperação) da área.
- Na Sua Empresa: Esta é a esfera financeiramente mais perigosa. A responsabilidade civil ambiental no Brasil é objetiva (não é preciso provar culpa, basta provar que sua atividade causou o dano) e imprescritível (o dever de reparar nunca acaba). Se sua empresa contamina um rio, ela será obrigada a limpá-lo, não importa quanto custe. O custo para recuperar a área do aterro de Goiânia será de centenas de milhões de reais — um valor que leva qualquer empresa privada à falência.
3. Responsabilidade Criminal (A Prisão do Gestor)
É a esfera da Polícia Civil (Dema) e do direito penal, focada em punir a pessoa física por trás da decisão.
- No Caso de Goiânia: O indiciamento dos prefeitos Sandro Mabel e Rogério Cruz.
- Na Sua Empresa: A Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/98) não pune só o “CNPJ”. Artigos como o 60 (operar sem licença) preveem penas de detenção (prisão) para os administradores — sócios, diretores, gerentes — que cometeram o crime ou permitiram que ele acontecesse.
O resumo do risco está na tabela abaixo:
| Tipo de Responsabilidade | Exemplo no Caso de Goiânia (Poder Público) | Aplicação Direta ao Setor Privado (Empresário) |
| Administrativa | Multa diária de R$ 5.000 da Semad; Risco de embargo total. | Multas milionárias (ex: R$ 37,5 milhões), suspensão de licença, interdição do estabelecimento. |
| Civil | Ação do MP-GO exigindo a interdição e a reparação total da área. | Ação Civil Pública exigindo reparação total do dano (limpar rio, solo), indenizações. Custo pode levar à falência. |
| Criminal | Indiciamento dos prefeitos (CPF) por operar sem licença. | Processo criminal contra o dono, diretor ou gerente (CPF); risco de pena de detenção (prisão). |
Seção 4: Não é um Caso Isolado: A Fiscalização em Goiás Está de Olhos Abertos
A defesa da prefeitura de “perseguição” é desmentida pelos fatos. Os dados de 2025 mostram um movimento sistêmico de “tolerância zero” contra grandes poluidores em Goiás, sejam eles públicos ou privados.
O Caso de Padre Bernardo (Setor Privado)
Em julho de 2025, um aterro privado em Padre Bernardo, operado pela empresa Ouro Verde, sofreu um colapso que contaminou córregos. A resposta da Semad foi imediata e severa: multa de R$ 37,5 milhões à empresa.
O valor astronômico serve de aviso ao mercado. A secretária da pasta justificou o valor com base no “nível do dano ambiental e o porte da empresa”.
O Caso Saneago (Economia Mista)
Em outubro de 2025, o MP-GO processou a Saneago por poluição no Córrego Sussuapara, em Bela Vista. A ação foi protocolada menos de 24 horas após o recebimento do laudo técnico, pedindo medidas emergenciais sob pena de multa diária de R$ 10.000.
Unindo os casos de Goiânia (poder público), Padre Bernardo (setor privado) e Bela Vista (economia mista), o padrão é claro. Semad e MP-GO adotaram uma postura proativa. A era de “fechar os olhos” terminou.
Seção 5: Da Teoria à Prática: O Caminho Certo para a Regularização
Diante desse cenário, a regularização não é uma opção, é uma necessidade de sobrevivência. Para o empresário, o caminho da conformidade se baseia em três pilares:
1. A Obrigação Legal: Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS)
A Lei nº 12.305/2010 é clara: a responsabilidade pelo resíduo é compartilhada. Para sua empresa, isso significa que sua responsabilidade legal não termina quando o lixo é colocado na caçamba. Você é responsável por garantir que a destinação final (aterro, reciclagem) seja ambientalmente adequada e licenciada.
Alerta: Contratar um transportador “pirata” que joga os resíduos em um terreno baldio torna sua empresa corresponsável pelo crime ambiental.
2. O Primeiro Passo: O Licenciamento Ambiental (LP, LI, LO)
Este é o principal instrumento de controle. Para operar legalmente em Goiás, qualquer atividade potencialmente poluidora precisa da autorização da Semad. O processo exige documentos técnicos rigorosos (Certidão de Uso do Solo, projetos de controle de poluição, Anotação de Responsabilidade Técnica – ART).
As fases são: Licença Prévia (LP), Licença de Instalação (LI) e Licença de Operação (LO).
Alerta: A falha de Goiânia foi operar sem uma LO válida. Um ponto crítico que muitas empresas negligenciam é a renovação da LO. Ela deve ser pedida com antecedência (geralmente 120 dias antes de vencer). A simples omissão em pedir a renovação já coloca sua empresa na ilegalidade.
3. A Ferramenta Central: O Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos (PGRS)
Este é o documento técnico mais importante da sua gestão interna e é um requisito para o licenciamento. O PGRS é o “manual de instruções” da sua empresa para os resíduos.
De acordo com as normas, um PGRS deve conter, no mínimo:
- Diagnóstico: O tipo de resíduo gerado (perigoso, não perigoso, etc.), conforme a norma ABNT/NBR 10.004.
- Manejo Interno: Como é feita a separação, coleta interna e armazenamento temporário.
- Transporte e Destinação Final: Quem transporta e para onde vai. Esta é a parte crítica: a empresa deve anexar cópias dos contratos e das licenças ambientais das empresas transportadoras e dos aterros que recebem seu resíduo.
- Responsabilidade Técnica: O plano deve ser feito por um profissional habilitado, com a devida ART.
O PGRS não é burocracia. É o seu principal documento de defesa. Em uma fiscalização ou acidente, é o PGRS que prova que você planejou sua gestão e contratou destinos finais licenciados, cumprindo sua responsabilidade. A ausência de um PGRS é uma confissão de negligência.
Conclusão: Quanto Custa Não Estar em Dia?
A análise retorna ao argumento inicial da Prefeitura de Goiânia: o de que o custo de R$ 10 milhões mensais para a destinação correta seria “proibitivo”.
Essa “contabilidade” está errada, pois ignora o preço da ilegalidade. A verdadeira conta do risco, como os fatos de 2025 demonstram, é:
- Preço Administrativo: R$ 37,5 milhões em multas (como no caso da empresa em Padre Bernardo).
- Preço Civil: Centenas de milhões de reais para reparar o dano ambiental, um passivo que pode levar qualquer empresa à insolvência.
- Preço Criminal: O custo reputacional e pessoal de um indiciamento, com o risco real de perda da liberdade para o gestor.
O caso de Goiânia é a lição definitiva para o empresariado. O investimento em compliance ambiental — ter o licenciamento em dia, um PGRS robusto e contratar apenas fornecedores licenciados — não é um custo. É um investimento em seguro operacional e gestão de risco.
A pergunta que o empresário deve se fazer não é “Quanto custa regularizar?”, mas sim:
“Quanto minha empresa e eu aguentamos pagar por não regularizar?”



